terça-feira, 25 de novembro de 2014

a mortalha do morto.



menino de talha dourada com sangue artificial de céu azul,
nascido em França numa família menor,
ias à procura de esmola com a barba por fazer,
não eras grande mestre mas tinhas-te em conta,
achavas-te omnipresente na vida da Piedade,
o delírio ornamental dessa mulher que te transmitia doenças que gostavas de curar com rezas a Santa Bárbara
fizeste um testamento num pedaço de jornal, falava só sobre ti,
pedias uma mortalha decente,
confiavas  que nesse dia não ias verter pus pelos orifícios escondidos.
Pensavas na morte com domínio, a vida é quase secundária quando nem a idade se sabe.
Eras sensível aos olhares de quem não te parecia escumalha.
Vivias em Lisboa por acidente feliz.
Pagavam-te bem os forasteiros
Tinhas uma devoção ao Santo Turista de Verão que veste calça e sapato vela.
Aquele assentar de moedas dava-te coragem.
Ousavas e planeavas visitar a Piedade mais vezes nesses meses,
Mas a pinga era outro vício.

Mais um dia a passar e planeias viver até ao próximo verão,
Vais pedir a Piedade em casamento.
Ela vai-se casar com o menino de talha dourada com certeza.
Sonhas mas não esqueces a mortalha que pediste, 
não queres um nome, queres uma boa mortalha.

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